Saudações viajantes e aventureiros!
Muita água correu desde o dia dos Namorados, com a chegada do covid-19 alterando as dinâmicas familiares, económicas e sociais – enfim com três gaiatos em casa digamos que estive ocupadita!
Aliviado o clima e a logística familiar, apraz-me voltar à escrita destas pequenas dicas para quem tenha vontade de explorar o extenso e surpreendente Alentejo. Talvez este ano, mais do que nunca o “vá pra fora cá dentro”, faça realmente sentido.
Assim, venho partilhar convosco esta minha paixão pela arte decorativa azulejar e convido-vos a visitar o Museu Rainha D. Leonor de Beja, antigo convento da Nossa Senhora da Conceição.
Este museu foi fundado em 1459 pelos Infantes D. Fernando e D. Brites, pais do futuro D. Manuel I, pessoas de elevado nível cultural. O convento estava ligado ao seu palácio e, por isso, usufruiu da mesma dedicação decorativa azulejar, tornando-se num dos mais ricos e sumptuosos do reino.
Fechado desde de 1834, sofreu quase uma demolição total, tendo o seu rico interior desaparecido, também quase na totalidade, vendido e leiloado.
Felizmente, os milhares de azulejos que revestiam as suas paredes e pavimentos ainda existem, ora expostos, ora guardados, no reservatório do museu, que é considerado um dos núcleos mais importantes da azulejaria portuguesa, nomeadamente a arcaica dos séc. XV e XVI, como por exemplo os alfardons e rajolas vindos de Manizes.
Segundo historiadores, podemos considerar dois grandes acervos: o núcleo quatrocentista de fabrico sevilhano e o conjunto de cerâmica azul e branca, da época barroco-joanina.
Tenho uma grande admiração por este tipo de peça decorativa, que surgiu primeiro na Mesopotâmia, mas que rapidamente se espalhou pelo Médio Oriente, chegando à Península Ibérica na Idade Média.
O azulejo era um produto escolhido para responder às condições climáticas da região onde surgiu. Funcional, resistente e fácil de limpar, é capaz de cobrir de cor, textura e brilho enormes espaços vazios.
Ao entrarmos na igreja coberta de talha dourada dos séc. XVII e XVIII, vislumbramos os primeiros azulejos do museu – azuis e brancos, representando cenas do nascimento, vida e morte S. João Baptista. Os oito painéis têm uma função prática e didática, equivalente às pinturas murais religiosas, em detrimento do aspecto artístico, permitindo uma leitura mais acessível aos fiéis (já que muitos na época não sabiam ler).
À procura de mais tesouros escondidos, atravessamos a Sala dos Brasões em direção ao Claustro, onde podemos deliciar-nos com diferentes esquemas de revestimento de azulejos do séc. XVII (técnica majólica): os das galerias de S. João Evangelista e do Rosário em que se imitam tapetes, no sentido horizontal e os da galeria de S. João Baptista, no sentido vertical, que simulam os panos de armar.
Neste museu encontramos as diferentes formas de fabrico, cozedura, padrão, cores, usos desta arte. Dos brocados à laçaria e estrelados, do fabrico em placa lisa (que permitia maior liberdade de movimentos) até à corda-seca fendida (produzida com um molde onde imprimiam os sulcos que seriam preenchidos com óleo de manganês, que queimado na cozedura, delimitava a preto as diferentes cores e evitava as misturas), os meus favoritos.
Destque para a sala revestida de azulejos de aresta hispano-mouriscos, com motivos de inspiração renascentista, geométrica e até vegetalista como os ramos de cardo entrelaçados em “s”, que se unem nas extremidades.
A capela gótica do Cristo Crucificado revestida de azulejos axadrezados bicromáticos de cor verde e branco, bem presentes na maior parte das paredes do convento, confirma que é a partir da utilização expansiva deste tipo de padrão, que a azulejaria passa a ser uma arte ornamental por excelência portuguesa.
No chão da Sala do Capítulo encontramos uma representação de seres vivos como o pelicano, evidenciando a transição do gosto decorativo entre os elementos geométricos mudéjares e os góticos.
É também importante referir o segundo piso do museu, que foi reformulado já mais recentemente e alberga o museu arqueológico com achados da Idade do Bronze, Ferro e Época Romana.
Em suma, o espólio de azulejos oferecido neste espaço cultural oferece deleite a qualquer um, desde o descontraído apreciador até ao mais informado aficionado da arte azulejar.
Em jeito de despedida, deixo-vos uma pergunta: sabiam que é aqui que está a réplica da janela de onde Mariana Alcoforado se apaixonou pelo cavaleiro francês?
azulejos corda seca
azulejos séc. XVII
azulejos mudéjar sevilhanos
Carolia Malta